A distribuição de lucros de uma sociedade a seus acionistas ainda é a principal forma de remuneração do investimento realizado pelos acionistas, sendo, por isso, o principal objetivo da atividade empresarial.
No âmbito internacional, a distribuição de lucros para os investidores se reveste de contornos bastante especiais, tendo em vista os impactos geopolíticos da distribuição de lucros gerados em determinado país para acionistas localizados fora de suas fronteiras, bem como os diversos aspectos jurídicos desse fenômeno, tais como a regulamentação cambial e tributária.
Dentro desse cenário, nosso objetivo é analisar os principais aspectos tributários envolvidos na repatriação de lucros de sociedades no Brasil para seus acionistas na França, pessoas físicas, jurídicas ou fundos de investimento.
I – A distribuição de dividendos por empresas brasileiras
O lucro líquido do exercício, passível de distribuição pelas sociedades no Brasil sob a forma de dividendos, é definido como o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias.
Nessa linha, de acordo com a legislação brasileira, os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. Portanto, desde janeiro de 1996, o Brasil isenta do imposto de renda os dividendos distribuídos pelas sociedades no Brasil, independentemente da natureza do beneficiário ou do país de sua residência.
Essa regra reflete a política fiscal adotada pelo Brasil, qual seja, de tributar os resultados da atividade empresarial desenvolvidas no Brasil exclusivamente na empresa (pessoa jurídica), pelos impostos corporativos, isentando de tributação os resultados distribuídos aos acionistas, qualquer que seja a sua natureza ou residência, uma vez que tais resultados já foram tributados na empresa.
Importante salientar, ainda, que a isenção tributária concedida pelo Brasil aos dividendos distribuídos por sociedades brasileiras se aplica ainda que os dividendos sejam pagos a investidores com os quais o Brasil possui Tratado para evitar a Dupla Tributação da Renda (“Tratado”), como é o caso da França. Em geral, os Tratados permitem que o país de domicílio da empresa investida tribute os dividendos distribuídos por ela até um certo limite (no Tratado Brasil-França, esse limite é de 15%). Contudo, considerando que o Brasil decidiu isentar os dividendos distribuídos por sociedades no Brasil, essa isenção não é prejudicada pelo Tratado, que apenas impõe um limite máximo, mas não cria o tributo e nem obriga os países a tributarem até tal limite.
Por outro lado, embora não sejam tributados no Brasil, os dividendos poderiam ser tributados no país de residência dos investidores, seguindo a linha do princípio da universalidade da renda (worldwide income).
Por outro lado, nos demais casos envolvendo dividendos pagos por empresa no Brasil a investidores na França, o Tratado prevê que a França concederá aos seus residentes que recebem tais rendimentos de fonte brasileira um crédito tributário correspondente ao imposto pago no Brasil, no limite do imposto francês referente a esses mesmos rendimentos, sendo que o imposto brasileiro será considerado como tendo sido cobrado à taxa mínima de 20%.
II – Uma alternativa: os juros sobre o capital próprio (“JCP”)
Contudo, em que pese a política fiscal acima descrita, é importante lembrar que o Brasil possui um instrumento alternativo de distribuição de lucros, denominado de “juros sobre o capital próprio”, o qual recebe tratamento tributário distinto.
Em seu cálculo, os JCP se assemelham a juros, uma vez que são pagos anualmente aos acionistas e calculados sobre as contas de patrimônio líquido da sociedade, multiplicadas pela taxa de juros de longo prazo (“TJLP”) do período (a partir de 1º de janeiro de 2016, a taxa será de 5% ou a TJLP, devendo se aplicar aquela que for menor). Com esse perfil, os JCP buscam garantir uma remuneração mínima (e pré fixada) aos acionistas pelo seu investimento na sociedade, tendo como base a aplicação da TJLP sobre o valor do patrimônio líquido.
Importante destacar que o pagamento dos JCP encontra restrições, uma vez que o valor dos JCP fica limitado ao montante de 50% dos lucros, computados antes da dedução dos juros. Assim, o pagamento dos JCP somente se faz possível nas ocasiões em que a sociedade possua lucros em montante equivalente ou superior a 2 vezes o valor dos JCP, sendo esse valor imputado ao valor dos dividendos mínimos obrigatórios.
No âmbito do Tratado Brasil-França (artigo XI), os JCP devem ser considerados como juros, podendo se sujeitar à tributação do Brasil. Por essa razão, com base no Tratado, os JCP pagos por empresa no Brasil a investidores na França sujeitam-se ao IRF à alíquota de 15% (para pagamentos de JCP fora do Tratado, essa alíquota foi majorada para 18% a partir de 1º de janeiro de 2016).
A maior vantagem dos JCP, em comparação com os dividendos, é seu tratamento tributário. Isso porque, ao contrário dos dividendos, os JCP pagos dentro dos limites acima configuram-se como despesas dedutíveis para fins de apuração do Imposto de Renda Corporativo (alíquota aproximada de 34%) para as empresas sujeitas ao regime do lucro real. Por outro lado, os JCP se sujeitam ao Imposto de Renda na Fonte (“IRF”) à alíquota de 15%, inclusive quando pagos a residentes no exterior (exceto se localizados em paraísos fiscais, hipótese em que o IRF será cobrado à alíquota de 25%).
Assim, em resumo, para as empresas sujeitas ao regime do lucro real, o pagamento dos JCP (dentro dos limites estabelecidos acima) pode resultar em economia fiscal, vez que a carga tributária no Brasil é reduzida de 34% (tributação corporativa sobre dividendos) para 15% (IRF).
III – Conclusões
O Brasil atribui tratamento tributário bastante interessante à distribuição de lucros por sociedades brasileiras, estipulando expressamente a isenção fiscal dos dividendos pagos aos acionistas.
Além disso, a legislação prevê a possibilidade de distribuição de lucros sob a forma dos JCP, com uma forma de tributação bastante diferenciada para as sociedades brasileiras sujeitas ao regime de lucro real. Embora limitados a apenas 50% dos lucros do período, os JCP pagos dentro dos parâmetros legais são considerados despesas dedutíveis na apuração do Imposto de Renda Corporativo, o que pode implicar em razoável economia tributária.
Lei das Sociedade Anônimas, artigo 191.
Artigo X, item 2.
As seguintes contas são consideradas para fins de cálculo dos JCP: capital social, reservas de capital, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados.
O Imposto de Renda Corporativo engloba o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).
Instrução Normativa 1455/2014.