A legislação brasileira estabelece que o crime de corrupção existe somente contra a administração pública, envolvendo, portanto, algum agente público. Todavia, um dos tópicos que mais preocupa atualmente o mundo empresarial é a corrupção no setor privado. A corrupção no setor privado é pelo menos tão preocupante e presente quanto a corrupção envolvendo a administração pública.
O Brasil ainda não legislou, mas é de se constatar que poucos países ainda não integraram na sua legislação nacional disposições para a criação de um delito que abarque atos de corrupção cometidos no setor privado.
O movimento deu-se, entre outros, por influência da previsão da adoção pelos Estados signatários da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (“Convenção”) de “medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no setor privado” (arts. 12 e 21), combinado com a divulgação em larga escala de casos de corrupção em competições desportivas.
As legislações de combate à corrupção de países como Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, Portugal, Itália e China já criaram o delito. De maneira elucidativa, a corrupção privada francesa prevê que ocorrerá o crime quando alguém fizer ou incitar “a qualquer momento, direta ou indiretamente, ofertas, promessas, presentes ou quaisquer outras vantagens, para obter de uma pessoa que, não sendo um funcionário público ou encarregado de uma missão de serviço público, detenha ou ocupe, dentro do escopo de sua atividade profissional ou social, cargo de gerência ou ocupação para qualquer pessoa, seja natural ou legal, ou qualquer outro órgão, o desempenho ou não desempenho de qualquer ato dentro de sua ocupação ou posição ou facilitado por sua ocupação ou posição, em violação das suas obrigações legais, contratuais e profissionais”
Apesar do Brasil ter se comprometido a integrar as medidas da Convenção em sua legislação, ainda não regulamentou o delito no Código Penal Brasileiro, conforme anteriormente mencionado.
Todavia, a comissão de reforma do Código Penal aprovou o projeto de lei que cria o delito de corrupção em sua forma privada (PL 455/2016), visando coibir a prática de concorrência desleal[1]. Os objetivos são proteger a concorrência e o patrimônio empresarial e garantir lealdade nas relações de trabalho.
Os alvos vão desde donos de empresas a funcionários e colaboradores que, em troca de alguma vantagem, violem seus deveres funcionais. Portanto, constitui crime de corrupção privada: exigir, solicitar, receber, oferecer, prometer ou entregar vantagem indevida, como sócio, dirigente, administrador, empregado ou colaborador.
Quando entes privados celebram contratos de forma ilegal, envolvendo subornos, a fim de obterem vantagens para si, estão cometendo o crime de corrupção privada. Como as relações de negócios se dão de forma injusta e ilícita, acabam impedindo a livre concorrência e a entrada de novas empresas no mercado, que, de forma global, acaba por atrasar e prejudicar o desenvolvimento da economia do país.
No entanto, isso não quer dizer que, no ínterim da aprovação do projeto de lei, empresários deixariam de ser responsabilizados pela justiça brasileira. Embora não haja ainda legislação específica, algumas condutas previstas no anteprojeto poderiam ser enquadradas, como outros crimes como, por exemplo, estelionato, duplicata simulada, violação de segredo profissional, crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e, até mesmo, organização criminosa.
Também, diante do advento da extraterritorialidade das leis de combate à corrupção, as empresas no Brasil, que tenham relações com empresas estrangeiras submetidas às legislações adequadas à Convenção das Nações Unidas em que já existe o delito de corrupção privada, também estarão sujeitos à tal responsabilização.
Visando atuar em consonância com as leis de combate a corrupção nacional e internacional, as empresas devem investir no setor de Ética e Compliance, de forma a aplicar a tolerância zero ao cometimento de ilícitos, à conscientização e o monitoramento dos colaboradores. Um setor bem implementado e estruturado é capaz de auxiliar as empresas a se protegerem contra atos individuais de seus funcionários e possibilita o reconhecimento de relevantes atenuantes em possíveis sanções cíveis, administrativas e, dependendo da procedência da legislação de combate à corrupção, penais.
Desta forma, a criação de um setor de Ética e Compliance robusto permite fiscalizar e despistar situações de risco e evitar não somente casos de corrupção contra agente públicos, mas também na esfera privada e constitui evidentemente uma ferramenta essencial para manter-se competitivo no mercado.
Anne-Catherine Brunschwig e Christina de Aguiar Barbosa
GTLawyers – Rio de Janeiro
[1]Art. 1º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a viger acrescido do seguinte artigo: “Corrupção privada Art. 196-A. Exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, o diretor, o administrador, o membro de conselho ou de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto, o representante ou o empregado da empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem oferece, promete, entrega ou paga, direta ou indiretamente, a vantagem indevida.” Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. PL nº 455/2016, de iniciativa da Comissão Parlamentar de Inquérito do Futebol 2015.