A figura do investidor-anjo foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei Complementar nº 155/2016, que passou a vigorar em 01 de janeiro de 2017, como forma de estimular o mercado de startups e as atividades de inovação implementadas por meio de microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP).
Em síntese, de acordo com essa Lei Complementar, o investidor-anjo está tipificado pelas seguintes peculiaridades:
a) não integra o capital social da sociedade investida (ME ou EPP);
b) seu aporte é formalizado por meio de contrato de participação na sociedade investida com vigência não superior a 7 anos, no qual deverão constar ainda as finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos;
c) pode ser feito por pessoa física, jurídica e fundos de investimento;
d) não possui status de sócio, nem direito a qualquer ingerência na empresa;
e) não responde por qualquer dívida da empresa;
f) será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos.
g) ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, não superior a 50% dos lucros da sociedade;
h) o investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, 2 anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.
Como se nota, a figura do investidor-anjo foi criada para se aplicar exclusivamente a ME e EPPs, ainda que, do curso de suas atividades, elas percam tal característica. Ademais, o racional adotado pelo legislador quanto esse instituto foi da temporariedade, ausência de gestão e de responsabilidade sobre as atividades da investida e remuneração vinculada à lucratividade da investida.
Portanto, optou o legislador por proteger o investidor-anjo de passivos da investida, mas condicionando sua remuneração periódica ao risco (alea) do negócio. Ao assim proceder, criou-se uma figura jurídica híbrida, situada entre o instituto da sociedade e do empréstimo.
Na esfera tributária, a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa nº 1.719/2017, estipulando, em resumo, que as retiradas periódicas (baseadas no lucro da sociedade investida), os ganhos auferidos no resgate do aporte e os ganhos auferidos na alienação do aporte a terceiros se equiparam a rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa. Com isso, sujeitou esses valores ao IRRF às alíquotas de:
a) 22,5% em contratos de participação com prazo de até 180 dias;
b) 20% em contratos de participação com prazo de 181 a 360 dias;
c) 17,5% em contratos de participação com prazo de 361 a 720 dias;
d) 15% em contratos de participação com prazo superior a 720 dias.
Ocorre que, em primeiro lugar, não cabe à instrução normativa definir qualquer tratamento tributário. Apenas a lei, dentro dos limites constitucionais, pode criar tributo, criando regras fiscais para os comportamentos sociais enquadrados neste ou naquele tipo tributário.
Em segundo lugar, ao equiparar os valores recebidos pelo investidor-anjo a aplicações financeiras de renda fixa, entendemos que a instrução normativa extrapolou a legislação, tendo em vista a figura única e sui generis do investimento-anjo e a ausência de qualquer dispositivo de lei que autorize essa equiparação.
Ademais, não se pode ignorar que parte relevante da remuneração desse investimento é baseada nos lucros da sociedade investida, no qual se faz presente o risco (fator alea) do negócio (inclusive de ele dar prejuízo ou lucrar menos do que o esperado), o que impossibilita sua equiparação a aplicações de renda fixa e/ou a simples mútuos.
Por fim, ao equiparar o investimento-anjo a aplicações de renda fixa, a Instrução Normativa tornou a modalidade menos interessante que a participação direta no capital social, equiparando-a a um mútuo com participação nos lucros, em total dissonância com o espírito de fomento e estímulo criado pela Lei Complementar nº 156/2016.
Em razão disso, além de ser totalmente inadequado aos fins da criação do instituto do investidor-anjo, entendemos haver elementos para questionar o tratamento tributário disciplinado ao investidor-anjo pela Instrução Normativa nº 1.719/2017.
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