A Medida Provisória nº 1.171/2023 e a nova sistemática de tributação de rendimentos do exterior

A tributação automática da renda auferida por pessoas físicas residentes no Brasil em controladas no exterior (sociedades offshore) não chega a ser uma novidade. Isso porque, há exatos 10 anos, o assunto já havia sido tema de uma outra medida provisória – a MP nº 627. Na ocasião, a tentativa foi repelida pelo Congresso Nacional quando da conversão da referida MP na Lei nº 12.973/2014.

Agora, com a MP nº 1.171, as aplicações financeiras, os lucros de entidades controladas no exterior e os rendimentos de trusts no exterior produzidos a partir de 1º de janeiro de 2024 serão tributados pelo IRPF de acordo com uma nova sistemática (distinta do regime carnê-leão e da tributação definitiva dos ganhos de capital), com base em alíquotas progressivas anuais de zero, 15% e 22,5% e sem a possibilidade de nenhuma dedução.

Apresentamos abaixo alguns esclarecimentos sobre o regime tributário previsto na MP nº 1.171:

  • o conceito de rendimentos de aplicações financeiras no exterior sujeitos à tributação conforme essa nova sistemática inclui variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos, ganhos em negociações no mercado secundário etc, apurados no vencimento, liquidação, resgate, amortização ou alienação das aplicações – com isso, abandonou-se a anterior caracterização da renda financeira auferida apenas no resgate/liquidação de aplicações financeiras no exterior como ganho de capital (cfr. MP nº 2.158);
  • a tributação automática (independentemente de qualquer deliberação acerca da sua distribuição) dos lucros auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024 por entidades controladas no exterior se aplica exclusivamente para (i) sociedades controladas localizadas em paraísos fiscais ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; (ii) cuja renda ativa própria seja inferior a 80% da renda total;
  • a definição de renda ativa própria exclui royalties, juros, dividendos, aluguéis e rendimentos de aplicações financeiras;
  • possibilidade de dedução do imposto de renda pago no exterior pela controlada (ou suas investidas) sobre seu lucro do IR devido no Brasil sobre esse mesmo lucro, até o limite do IR devido no Brasil e respeitada a proporção da participação societária do contribuinte;
  • os lucros apurados até 31 de dezembro de 2023 (para toda e qualquer sociedade controlada no exterior) ou após essa data (apenas para as sociedades que não se qualifiquem na nova regra) serão tributados apenas quando efetivamente disponibilizados ao contribuinte no Brasil;
  • a partir de 1º de janeiro de 2024, para fins de tributação pelo IR, os rendimentos e ganhos de capital auferidos pelo trust no exterior serão considerados como sendo do instituidor (settlor), devendo ser tributados de acordo com sua natureza jurídica – o mesmo se aplica para os bens e direitos objeto do trust no que se refere à declaração de bens e direitos;
  • apenas com o falecimento do instituidor ou com a distribuição do patrimônio pelo trust é que os respectivos valores serão considerados de titularidade do (s)beneficiário(s), devendo ser considerados, respectivamente, doação ou sucessão.
  •  a fim de calibrar as regras acima, a MP nº 1.171 possibilitou aos contribuintes que efetuem a atualização do valor dos bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, com tributação da atualização pelo IRPF, à alíquota definitiva de 10%, a ser pago até 30 de novembro de 2023.

É preciso ressaltar que a MP nº 1.171 padece de várias omissões e inconstitucionalidades, que colocam em xeque a sua aplicação, a saber:

  • criação de mais um regime de tributação definitiva e segregada, impossibilitando deduções elementares da base de cálculo do IR e distorcendo o conceito de renda tributável;
  • imprecisão quanto ao momento de tributação dos valores do exterior pelo IR: se mensalmente, na medida do recebimento/disponibilização dos rendimentos/lucros, ou apenas quando da entrega da DAA, por volta de abril/maio do ano seguinte ao recebimento dos rendimentos;
  • proibição da compensação dos prejuízos apurados pela controlada no exterior em períodos anteriores à produção de efeitos da MP nº 1.171.

Ficamos à disposição para esclarecimentos adicionais sobre a questão.

Estevão Gross Neto

egross@gtlawyers.com.br