A aquisição de terras no Brasil sempre foi considerada um investimento promissor pelos estrangeiros, tanto pelo imenso leque de opções e diversidade do ecossistema brasileiro como pelo potencial de exploração nos mais diversos segmentos da economia (turismo, agronegócios, energia, etc.).
Todavia, os estrangeiros interessados enfrentam um arcabouço legislativo e jurídico específico e sensível a mudanças políticas, pois, do ponto de vista legislativo, a principal lei que disciplina a compra de terras rurais por estrangeiros é Lei 5.709 de 1971 e traz uma série de limitações à propriedade das terras nacionais por estrangeiros.
A Advocacia-Geral da União (AGU) iniciou, no segundo semestre de 2007, um novo exame da questão, passando a revisar seus pareceres anteriormente emitidos, favoráveis à aquisição de terras por estrangeiros, consubstanciado sob a forma do Parecer LA-01, de 2010.
previstos na Lei 5.709 de 1971 e na Lei 8.629 de 1993 passaram a atingir, além das pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil[1], as pessoas jurídicas brasileiras com maioria do capital
[1] Trata-se de empresas devidamente constituídas no exterior, mas que desejam abrir filiais, sucursais ou agências no Brasil. Para tanto, deverão pedir autorização ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei), da Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, órgão competente para a instrução dos processos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou estabelecimento no País por sociedade estrangeira. Fundamentação legal: Decreto-Lei 2.627 de 1940, arts. 59 a 73; Lei 10.406 de 2002 – Código Civil de 2002, art. 1.134; Lei 4.595 de 1964,
social detido por estrangeiros, pessoas físicas, residentes no exterior, ou jurídicas, com sede no exterior.
Em dezembro de 2017, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou a Instrução Normativa 88, que dispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País e pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.
Atualmente, prevalece o entendimento exarado pela AGU, no Parecer LA-01 de 2010, bem como o instrumento normativo expedido pelo Incra, uma vez que compete a esse Instituto controlar a aquisição e o arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil.
Assim, a aquisição é mensurada pelos Módulos de Exploração Indefinida (MEIs), também conhecidos como Módulos Fiscais. Compete ao Incra fixar, para cada região, o MEI, que varia entre 5 a 110 hectares, dependendo do município em que se situa a propriedade rural. Esses limites podem ser modificados pelo Incra sempre que houver alteração das condições econômicas e sociais da região.
Nesse contexto há, também, que se observarem os limites territoriais impostos pela legislação brasileira, a qual estabelece que a soma total das áreas rurais adquiridas não pode ultrapassar 25% da superfície territorial do município de localização do imóvel rural e que pessoas estrangeiras de mesma nacionalidade não podem ser proprietárias de mais de 10% da superfície territorial de cada município[2].
Aquisição de imóveis rurais particulares
- por pessoas físicas estrangeiras
São requisitos para que uma pessoa física estrangeira adquira imóveis rurais no Brasil:
- ter residência no Brasil;
- possuir CPF; e
- observar as limitações relativas aos MEIs.
No Brasil, a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira somente é livre para imóvel com área não superior a três módulos. A legislação determina que a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder 50 MEIs e dependerá de autorização do Incra (art. 8º, Instrução Normativa 88).
Para aquisições ou arrendamentos, de estrangeiros pessoas físicas, com área superior a 20 MEIs, será necessária a apresentação de projeto de exploração do imóvel ao Incra e sua aprovação. Também
art.18; Instrução Normativa (IN) Drei 77, de 2020. Isso não engloba as hipóteses de sociedades estrangeiras sócias ou acionistas de empresas nacionais. Para esses casos, o procedimento encontra-se disposto na Instrução Normativa (IN) Drei 81, de 10 de junho de 2020, e deverá ser efetuado e conduzido diretamente perante as Juntas Comerciais de cada Estado.
[1] art. 12, da Lei 5.709, de 7 de outubro de 1971. [1] art. 3º, inciso II, alínea “a”, da Instrução Normativa RFB 1.548, de 13 de fevereiro de 2015.
dependerá de autorização do Incra a aquisição ou o arrendamento de mais de um imóvel rural pela mesma pessoa física, com área de até três MEIs.
Pessoas físicas e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil | |
ÁREA | CONDICIONAMENTO |
Até 3 MEIs | Aquisição livre, independente de autorização do Incra (exceto na segunda aquisição). |
De 3 a 20 MEIs | Aquisição condicionada à autorização do Incra. |
De 20 a 50 MEIs | Aquisição condicionada à aprovação do projeto referente à exploração correspondente e autorização do Incra. |
Acima de 50 MEIs | Autorização do Congresso Nacional. |
O estrangeiro que pretender imigrar para o Brasil poderá adquirir imóvel rural, desde que, dentro de três anos, contados da data do contrato de compra e venda, venha fixar domicílio no Brasil e explorar o imóvel. Em caso de descumprimento, o promitente-vendedor deverá propor a ação declaratória de ineficácia do compromisso, perdendo o comprador estrangeiro a importância paga a título de sinal[1].
A lei traz uma exceção para pessoa natural de nacionalidade portuguesa que pretender adquirir ou arrendar imóvel rural e que apresentar certificado de reciprocidade.
(ii) por pessoas jurídicas estrangeiras
São requisitos para que uma pessoa jurídica estrangeira adquira imóveis rurais no Brasil:
- possuir CNPJ[5];
- destinar os imóveis rurais adquiridos somente à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários devidamente aprovados pelo Ministério da Agricultura; e
- observar as limitações relativas aos MEIs, que não poderão ultrapassar 100 MEIs.[6]
Note-se não ser necessário que a pessoa jurídica tenha domicílio no Brasil para que esteja apta a adquirir imóvel rural. No entanto, aquelas que se dedicarem a loteamento rural, explorarem diretamente áreas rurais e forem proprietárias de imóveis rurais não vinculados a suas atividades estatutárias deverão obrigatoriamente adotar a forma de sociedades anônimas.
[4] art. 6º, do Decreto 74.965, de 26 de novembro de 1974.
[5] art. 4, inciso XV, alínea “a”, 1, da Instrução Normativa RFB 1.863748, de 27 de dezembro de 2018.
[6] art. 5º, da Instrução Normativa Incra 88, de 13 de dezembro de 2017.
Aquisições ou arrendamentos acima de 100 MEIs por pessoa jurídica estrangeira ou pessoa jurídica brasileira equiparada[1] dependerão de autorização prévia do Congresso Nacional, nos termos do art. 23 da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (art. 5 da Instrução Normativa 88).
As pessoas jurídicas, estrangeiras ou brasileiras equiparadas, em qualquer que seja a dimensão do imóvel rural, devem obrigatoriamente apresentar projeto de exploração da área para terem deferida sua aquisição. Em caso de aquisições em áreas consideradas indispensáveis à segurança nacional, haverá a necessidade de assentimento prévio da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Procedimentos para a aquisição
Em 13 de dezembro de 2017, o Incra publicou a Instrução Normativa 88, que dispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País e pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil e brasileira equiparada a estrangeira (Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro).
São requisitos essenciais para a concessão pelo Incra de autorização para aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por pessoa física ou jurídica:
- estar o imóvel rural registrado no Cartório de Registro de Imóveis e no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), ambos em nome do transmitente, exceto no caso de aquisição por usucapião;
- ter o estrangeiro, pessoa física, residência no Brasil e ser inscrito no Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), na condição de permanente, com prazo de validade vigente ou indeterminado, quando houver previsão legal;
- apresentar, em se tratando de pessoa jurídica estrangeira ou pessoa brasileira a ela equiparada, projeto de exploração agrícola, pecuário, florestal, turístico, industrial ou de colonização, vinculado aos seus objetivos estatutários ou sociais. Em caso de pessoa jurídica estrangeira, deverá também ter autorização para funcionar no Brasil;
- comprovar a inscrição na Junta Comercial do Estado de localização de sua sede, se pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras, natural ou jurídica, que tenham a maioria de seu capital social e residam ou tenham sede no exterior ou ainda o poder de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia; e
[7] Conceitua-se a pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira aquela constituída segundo as leis brasileiras, com sede no Brasil, e que possua participação majoritária, a qualquer título, de capital estrangeiro, e desde que o(s) sócio(s) pessoa(s) natural(is) ou jurídica(s) estrangeira(s), respectivamente, resida(m) ou tenha(m) sede no exterior. Ou seja, muito embora tenha sido constituída sob as leis brasileiras e com sede e administração no Brasil, a empresa nacional controlada por sócio estrangeiro estará sujeita às mesmas restrições na aquisição de imóvel rural que um estrangeiro. Tal definição é trazida pelo §11º, do art. 1º, da Lei 5.709, de 7 de outubro de 1971, e pelo art. 15 da Instrução Normativa Incra 88, de 13 de dezembro de 2017.
- ter o assentimento prévio da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional (SECDN), se o imóvel rural estiver localizado em faixa de fronteira ou em área considerada indispensável à segurança nacional.
Aquisição de imóveis urbanos por estrangeiros
A compra de imóveis urbanos no Brasil por estrangeiros, pessoa física ou pessoa jurídica, sejam eles residentes no país ou no exterior, diferentemente da regulamentação das aquisições de imóveis rurais, não possui qualquer limitação de valor, quantidade de bens e independe de autorização prévia de órgãos públicos.
São documentos indispensáveis para que uma pessoa física ou pessoa jurídica estrangeira adquiram imóveis urbanos no Brasil:
- comprovante do Cadastro de Pessoa Física (CPF) (se pessoa física) e do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) (se pessoa jurídica) na Receita Federal;
- comprovante de estado civil, se pessoa física;
- contrato ou estatuto social, traduzido e registrado no Brasil;
- procuração pública legalizada na repartição consular brasileira do país de origem, traduzida e registrada no Cartório de Títulos e Documentos no Brasil, caso o adquirente não esteja presente no território brasileiro; e
- promessa de compra e venda ou escritura pública em que conste a conta própria do adquirente no exterior, a transferência (swift) para a aquisição do imóvel. O remetente do swift sempre deve estar mencionado nos atos de compra e venda, sob pena de os montantes transferidos serem devolvidos ao país de origem pelo banco brasileiro.
Considerações finais
Como se vê, a Lei 5.709 de 7 de outubro de 1971, regulamentada pelo Decreto 74.965 de 26 de novembro de 1974, traz as regulamentações para a aquisição de imóvel rural por estrangeiros no País. Tais regras se aplicam, inclusive, para empresas brasileiras com capital majoritariamente estrangeiro, necessitando autorização do Incra para adquirir imóvel rural no Brasil, conforme Parecer da CGU/AGU 01/2008-RVJ, de 3 de setembro de 2008.
Pessoas físicas residentes no exterior que possuam imóveis no Brasil ou queiram adquiri-los devem, obrigatoriamente, ter inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), conforme art. 3º, inciso XII, alínea “a”, da Instrução Normativa RFB 864, de 25 de julho de 2008.
A pessoa jurídica estrangeira que possua imóvel no Brasil, ainda que aqui não tenha um estabelecimento físico, deverá ter inscrição no CNPJ, por força do art. 11, inciso XIV, alínea “a”, 1, da Instrução Normativa RFB 748, de 28 de junho de 2007. Também, deverá ter um procurador residente no Brasil, com inscrição no CPF, que deverá ser o administrador do bem imóvel.
O estrangeiro que não possui permanência regularizada no Brasil não pode adquirir imóvel rural sob hipótese alguma. Essa vedação é estendida à pessoa jurídica sem autorização para funcionar em território brasileiro.
Assim, para a aquisição de imóveis rurais privados por estrangeiros, faz-se necessária a observação da legislação vigente aqui indicada. Já para aquisição de imóveis rurais públicos, será necessária a participação em procedimentos licitatórios destinados à venda de tais imóveis. Para tanto, o adquirente deverá preencher as condições estabelecidas no competente edital de licitação.
Do aspecto prático, há algumas alternativas no direito brasileiro que vêm sendo muito utilizadas por empresas atuantes principalmente no mercado de energia. Existem outros direitos reais que podem ser constituídos sobre os imóveis, objeto do projeto a ser desenvolvido, que não implicam transferência de propriedade.
É necessário que sejam analisados caso a caso, após o estudo detido da atividade que se queira desenvolver, da empresa que pretende adquirir tais direitos e do imóvel alvo.
Uma opção bastante explorada nos modelos alternativos é a constituição de direito de superfície. Trata-se de um direito real, oponível a terceiros, que pressupõe o desdobramento da propriedade plena entre o proprietário e o superficiário. O primeiro, proprietário, segue como titular do imóvel, mas de forma limitada, uma vez que o uso e a posse são exercidos pelo superficiário. O superficiário, então, passa a ter um amplo poder sobre a coisa, podendo explorá-la como lhe convier e nos limites fixados com o titular do imóvel. É formalizada e por meio de escritura pública a ser levada a registro na matrícula do imóvel.
No entanto, antes de se optar por essa estrutura, é recomendável consultar se há posicionamento da Corregedoria de Justiça (Cartório) responsável. Alguns cartórios de títulos e documentos e registro de imóveis podem apresentar resistência à lavratura ou ao registro de escrituras de constituição de direito de superfície devido ao fato de o direito de superfície ter sido reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código Civil de 2002 e pelo Estatuto da Cidade, em 2001. Ou seja, quando da promulgação da Lei Federal 5.709/71 e da Lei Federal 8.629/93, não era possível inserir vedação à utilização desse instituto pelos estrangeiros e equiparados, uma vez que eles não existiam no ordenamento jurídico brasileiro.
Outra estrutura alternativa usada para viabilizar a utilização dos imóveis rurais por estrangeiros é a cessão de direito de uso, permitindo que o proprietário ceda o uso de um imóvel por prazo determinado, mediante o pagamento de uma contraprestação mensal. Por essa razão, não se trata de direito real, mas sim de direito pessoal havido entre as partes. É recomendável que se proceda ao registro ou à averbação do instrumento na matrícula do imóvel, garantindo-se assim a publicidade para o negócio. Algumas Corregedorias de Justiça de alguns Estados têm se posicionado no sentido de exigir que a cessão seja formalizada por meio de instrumento público (escritura).
Em alguns Estados brasileiros há a recomendação de se utilizar o instrumento de locação para a viabilização dos projetos a serem desenvolvidos em áreas rurais por estrangeiros.
Dessa forma, somente após um estudo mais detalhado sobre o projeto em questão, a área, Estado e demais especificidades, é que se poderá verificar a aplicabilidade das alternativas possíveis para a viabilização do projeto em tela.
Por fim, vale salientar que a matéria ainda possui destaque de discussão entre os órgãos jurídicos. Existem projetos de lei em tramitação discutindo a matéria. Destaque-se o Projeto de Lei 2.963/19, aprovado no fim de 2020 pelo Senado Federal, mas que ainda se encontra em trâmite.
De acordo com o PL apresentado pelo Senado, que revoga na totalidade a atual legislação vigente (que é mais restritiva), há três mudanças prejudiciais:
a) possibilidade de pessoas jurídicas brasileiras equiparadas (capital social controlado por estrangeiros) não sofrerem as restrições impostas às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras;
b) pessoas físicas e jurídicas estrangeiras podem adquirir até 15 módulos fiscais, de forma livre, sem necessidade de autorização do Incra ou outro órgão público, retirando também a exigência de apresentação de projetos de exploração da terra; e,
c) convalidação de aquisições realizadas irregularmente durante a vigência da lei atual (art. 21 do PL 2.963/2019).
Já para a aquisição de imóveis urbanos por estrangeiros em território nacional não são aplicadas as mencionadas restrições. No entanto, é necessário que o adquirente estrangeiro, pessoa física ou jurídica, seja portador de CPF ou CNPJ, independentemente de residir ou não no Brasil.
Maria Eliza Landi