Caracterização dos benefícios fiscais
Muitos Estados brasileiros, no afã de melhorar seus índices econômico-sociais, concederam (e concedem) benefícios fiscais e financeiros voltados à atração de empreendimentos econômicos para seus territórios. Em geral, os benefícios fiscais envolvem a concessão de isenções, reduções da base de cálculo ou da alíquota e a garantia de créditos presumidos de ICMS. Tradicionalmente, a legislação tributária federal (Lei 4.506/64, art. 44, IV) divide os benefícios fiscais (e financeiros) concedidos pelo Poder Público aos particulares em: (i) subvenção para custeio e (ii) subvenção para investimento. Em que pese a falta de definição legal precisa, as subvenções para custeio são geralmente consideradas como aquelas concedidas pelo Poder Público sem qualquer contrapartida do contribuinte e sem um direcionamento (destinação) específico, sendo normalmente utilizadas como capital de giro. Nesse contexto, a Receita Federal definiu as subvenções para custeio (Parecer Normativo no 112/1979) como as transferências de recursos para pessoa jurídica com o intuito de auxiliá-la em suas despesas gerais. Por outro lado, as subvenções para investimento são aquelas concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Neste caso, são estabelecidas metas e finalidades com o Poder Público, fixando condições para que as subvenções para investimento sejam concedidas. Contabilmente, independentemente de sua natureza, as subvenções são tratadas como receita da entidade beneficiária (CPC 07). Por sua vez, a legislação tributária federal historicamente exige a tributação das subvenções de custeio, não autorizando a sua exclusão para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo do CSLL. Nesse sentido, o artigo 441 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018 (“RIR/2018”) prevê que serão computadas para fins de determinação do lucro operacional, as subvenções correntes para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais. Em oposição às subvenções de custeio, as subvenções para investimento são isentas de IRPJ/CSLL, desde que observados certos requisitos (boa parte deles buscando evitar a sua distribuição aos sócios). Nessa linha, o artigo 30, da Lei 12.973/2014, dispõe que as subvenções para investimentos não se sujeitam à tributação pelo IRPJ/CSLL, desde que o respectivo valor seja registrado em reserva lucros, utilizada exclusivamente para absorção de prejuízos ou aumento de capital social:
“Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976,que somente poderá ser utilizada para: I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou II – aumento do capital social. § 1o Na hipótese do inciso I do caput, a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes. § 2o As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1o ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput, inclusive nas hipóteses de: I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais rpara investimentos; II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios. § 3o Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput, esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.”
Portanto, via de regra, sujeitam-se à tributação pelo IRPJ e CSLL os valores relativos a benefícios fiscais (e financeiros) recebidos pelos contribuintes com natureza de subvenções para custeio E aqueles com natureza de subvenção para investimento que descumpram os requisitos legais de sua isenção. Por outro lado, os benefícios fiscais (e financeiros) recebidos pelos contribuintes com natureza de subvenções para investimento que observem os requisitos impostos pela legislação (Lei 12.973/2014) podem ser excluídos da apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Tributação dos benefícios de ICMS A natureza dos benefícios de ICMS sempre foi objeto de grandes discussões envolvendo sua natureza efetiva de subvenções de custeio ou para investimento. Ressalvadas as peculiaridades de cada caso, as controvérsias giravam em torno da efetiva destinação dos recursos a investimentos, a correspondência entre o valor da subvenção e a sua total e integral aplicação na instalação ou ampliação do empreendimento, a possibilidade de o investimento na instalação/expansão das atividades ocorrer antes em momento anterior à subvenção para investimento e etc. De toda forma, em agosto/2017 foi aprovada a Lei Complementar 160, cujo objetivo foi regulamentar a concessão de benefícios fiscais de ICMS e, assim, apaziguar a guerra fiscal entre os Estados. Em relação à tributação de tais benefícios fiscais, a Lei Complementar incluiu § 4 ao artigo 30 da Lei 12.973/2014, nos seguintes termos:
“§ 4o Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo”.
Com a aprovação dessa legislação, entendemos que ficou superada a discussão acerca da natureza dos benefícios fiscais de ICMS entre subvenção de custeio ou para investimento, uma vez que a legislação determinou, de forma expressa e peremptória, que todos os benefícios fiscais ou financeiros relativos ao ICMS terão natureza de subvenções de investimento. Importante salientar que esse tratamento tributário se aplica inclusive para os benefícios fiscais concedidos sem amparo em convênios do CONFAZ. De fato, ainda que esse tipo de exoneração fiscal não seja matéria privativa de lei complementar, trata-se claramente de uma presunção legal válida e, acima de tudo, absoluta (iure et de iure), não admitindo provas que venham a desmentir tais subvenções como de investimento. Ou seja, trata-se de figura que expressa a vontade do legislador de que tais subvenções recebam esse tratamento fiscal, independentemente da finalidade ou objetivos da subvenção. Dessa forma, se forem observados os requisitos do artigo 30, da Lei 12.973/2014 (manutenção em reserva de lucros, etc), entendemos que os valores dos benefícios fiscais de ICMS (isenções, créditos presumidos e reduções da base de cálculo) usufruídos após a publicação da Lei Complementar 160 não estarão sujeitos à tributação pelo IRPJ/CSLL. Nesse contexto, as empresas que não efetuaram essa exclusão na apuração do IRPJ e CSLL podem possuir créditos tributários passíveis de aproveitamento, devendo ficar atentas ao tratamento tributário conferido aos benefícios de ICMS desde 2017. Alertamos, contudo, que a despeito do evidente intuito dessa alteração legislativa (vide Parecer proferido pelo relator na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 24/5/2017), esse entendimento não é consensual junto à Receita Federal. Com efeito, em recente Solução de Consulta (145, de dezembro de 2020), a COSIT entendeu que os benefícios fiscais de ICMS serão considerados subvenções para investimento desde que tenham sido concedidos como estímulo à implementação ou expansão de empreendimento econômico:
“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ INCENTIVOS BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES. A partir da Lei Complementar no 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4o do art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Reforma a Solução de Consulta Cosit no 11, de 4 de março de 2020. Dispositivos Legais: Lei no 12.973, de 2014, art. 30; Lei Complementar no 160, de 2017, arts. 9o e 10; Parecer Normativo Cosit no 112, de 1978; IN RFB no 1.700, de 2017, art. 198, § 7o. Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS- FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES. A partir da Lei Complementar no 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4o do art. 30 da Lei no 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação da base de cálculo da CSLL apurada na forma do resultado do exercício desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei no12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Reforma a Solução de Consulta Cosit no 11, de 4 de março de 2020.” (no mesmo sentido, vide Solução de Consulta DISIT/SRRF3 no 4004, de 2021, e COSIT 99005/2021)
Com esse entendimento, que a nosso ver não é adequado com a melhor interpretação da legislação vigente, os benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados/Distrito Federal só poderão ser excluídos da base de cálculo do IRPJ/CSLL se concedidos para a implantação ou expansão do empreendimento, ou seja, se possuírem natureza de subvenção para investimento. Assim, contrariando a Lei Complementar 160, a Receita Federal tem tentado restringir a exclusão dos benefícios de ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL, limitando tal exclusão apenas aos benefícios classificados como subvenção para investimento. Ressaltamos, contudo, que esse entendimento é ilegal, não podendo se aplicar para os valores relativos a benefícios fiscais de ICMS contabilizados pelos contribuintes após agosto de 2017 Ficamos à disposição para esclarecimentos adicionais sobre a matéria.
Artigo preparado por Estevão Gross, sócio de GTLawyers. Para mais informações favor contatar o telefone 11.3504.7618 ou o e-mail egross@gtlawyers.com.br.