Telemedicina no Brasil em pauta

Nova Resolução CFM

Com a publicação, no início de fevereiro, da Resolução nº. 2.227/2018do Conselho Federal de Medicina (CFM) e as consequentes discussões por ela desencadeadas, o Brasil parece estar próximo de consolidar um marco regulatório que garanta maior segurança jurídica ao exercício da telemedicina e estabeleça balizas claras a uma prática que, desde a última década, vem se tornando cada vez mais comum, ainda que a referida Resolução tenha sido revogada apenas 3 (três) semanas após sua publicação.

A regulamentação da telemedicina não é exclusividade brasileira. A tendência global é justamente o reconhecimento e a definição de limites claros a essa prática. Em 1999, durante a 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, fora adotada a “Declaração de Tel Aviv sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina”, que instigava os conselhos médicos nacionais a enfrentarem a questão. Nos EUA, 35 estados já possuem legislações próprias sobre a telemedicina, e, ao que tudo indica, o Canadá e o Reino Unido devem seguir o mesmo caminho. Em Israel, aplicativos de celular permitem aos pacientes pagarem por consultas avulsas com médicos que atendem por vídeo. Na França, desde 2009, com o advento do artigo L6316-1 do Code de la santé publique, a prática já é plenamente autorizada no país.

A despeito de o CFM já ter estabelecido em 2002 uma Resoluçãosobre o tema, a prática da telemedicina no Brasil encontrava-se em um limbo jurídico, uma vez que o texto de 2002 possuía apenas 7 artigos e não tratava de pontos práticos. Embora o conselho profissional se manifestasse esporadicamente sobre a medicina à distância, através de pareceres feitos em contestação a consultas formuladas por empresas e entidades interessadas, não era possível vislumbrar com clareza qual era exatamente o tratamento legal dispensado a esse tema.

Nesse contexto, a Resolução 2.227/2018, publicada no início de fevereiro, sem dúvida, chegou em boa hora, não apenas por enquadrar legalmente uma prática que, há muito, já é uma realidade, como também por permitir que agentes especializados na medicina à distância sintam maior confiança para investir no país, algo que, do ponto de vista econômico, tende a trazer inúmeros benefícios, porquanto a telemedicina promete movimentar no mundo aproximadamente US$ 66 bilhões até 2021[1]. Muitos projetos e investimentos para área no Brasil já estavam no papel, mas aguardavam apenas maior segurança jurídica para serem concretizados, o que aparentemente não tardará muito para ocorrer.

Em um país de dimensões continentais, com alto déficit de profissionais da saúde em regiões remotas, como o Brasil, os benefícios oriundos do desenvolvimento da telemedicina demonstram-se ainda mais promissores, havendo oportunidades não apenas para o setor privado, como também para o Sistema Único de Saúde (SUS). Não por acaso, em documento enviado ao Congresso, no qual são elencadas as prioridades para os primeiros cem dias de mandato, o novo governo, ao tratar de saúde pública, coloca que “estratégias que aliem aumento da oferta com regulação clínica realizada por meio do Telessaúde já demonstraram êxito localmente, mas precisam ser expandidas para todo o território nacional”.

Revogação da norma

No entanto, acompanhada dessas expectativas, vieram críticas contundentes do setor médico, especialmente quanto à ausência de um capítulo sobre a responsabilidade civil no exercício da telemedicina, à necessidade de maiores definições sobre o uso de dados, à inexistência de critérios para definir quais localidades seriam consideradas “geograficamente remotas”, bem como pela suposta falta de diálogo entre a autarquia federal e os conselhos regionais antes da publicação da norma. Como consequência do alto descontentamento, o CFM se viu obrigado a revogar o texto publicado, apenas três semanas após a divulgação.

Embora o órgão haja se comprometido a promover discussões sobre o tema a fim de contemplar algumas dessas críticas, o elevado número de entidades médicas e de pedidos para modificações no texto levaram o Conselho a esperar pelas discussões sobre a regulamentaçãoantes de tornar efetiva a Resolução nº. 2.227/2018, de forma que as demandas dos diversos setores interessados possam ser ouvidas e possivelmente contempladas.

A revogação, contudo, aparenta ter sido apenas o meio encontrado pela entidade para prorrogar as conversas, já que, antes, a norma estava prevista para entrar em vigor já em maio, e não haveria tempo suficiente para atender às entidades interessadas. Portanto, a tendência é que não haja grandes modificações ao que já fora publicado, mas que sejam acrescidos pontos que ficaram ausentes da versão original da resolução. Nesse ínterim, seguirá vigorando a Resolução 1.643/2002, a qual trata sucintamente sobre o tema, e restringe a compreensão da telemedicina como o exercício da medicina à distância, “com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde”, não prevendo qualquer dispositivo referente a consultas à distância e, tampouco, diagnóstico e cirurgia, tal como previa a Resolução ora revogada.

Conteúdo da norma revogada

No que concerne a seu conteúdo, a Resolução 2.227/2018, ao contrário do texto de 2002, é bastante minuciosa ao estabelecer parâmetros específicos e definir cada uma das diferentes modalidades de telemedicina: teleconsulta, telecirurgia, telediagnóstico, teletriagem, telemonitoramento, teleorientação, e teleconsultoria. Entre estas, a teleconsulta, modalidade que provavelmente será a mais comum, chamou a atenção pela exigência de ser presencial a primeira consulta, salvo quando cobertura médica se destinar a uma área “geograficamente remota”.

Outros pontos da nova norma que se destacam são a obrigatoriedade de armazenamento de “todos os dados trocados por imagem, texto e/ou áudio entre médicos, entre médico e paciente e entre médico e profissional de saúde”, devendo o responsável manter uma espécie de prontuário eletrônico do paciente, e a possibilidade de haver prescrição de remédios à distância, mediante assinatura eletrônica pelo médico.

Com relação ao exercício da telemedicina por médicos estrangeiros, a Resolução vedava expressamente essa possiblidade, ao exigir que o médico responsável fosse devidamente inscrito no respectivo CRM. Ademais, em despacho de 2016, respondendo à consulta formulada por uma empresa que visava implementar a prática da medicina à distância por médicos estrangeiros, o Conselho expressou que “o prestador de serviços médicos de telemedicina (pessoas física e/ou jurídica) deve ser registrado no CRM do local da prestação de serviços para todos os efeitos legais”.

Não obstante, cumpre reiterar que tal regra se referia unicamente ao médico técnico responsável perante o conselho profissional. No que diz respeito à antiga vedação à participação de capital estrangeiro em empresas atuantes no setor da saúde, insta lembrar que, com o advento da Lei 13.097/15, a qual modificou o artigo 23 da Lei Orgânica da Saúde, essa proibição foi derrubada, e, atualmente a participação estrangeira em sociedades do ramo está plenamente autorizada.

Perspectivas

Conquanto haja críticas válidas e aperfeiçoamentos necessários ao texto publicado e posteriormente revogado, pode-se observar dispêndio de grande esforço por parte do CFM em atualizar sua normatização, observando a técnica e a legislação médica praticada em países com regulamentação mais avançada, dando, ainda, a segurança jurídica necessária àqueles que já possuem expertise ou atuam no ramo a investirem e contribuírem com o desenvolvimento da medicina à distância.

As discussões que levaram à revogação da norma tendem apenas a acrescentar pontos que ficaram pendentes de esclarecimento na versão publicada. A regulamentação da telemedicina em si, por sua vez, aparenta ser um caminho sem volta, tanto em razão das tendências observadas no resto do mundo, quanto em razão dos benefícios que a regulamentação dessa prática, com maior segurança e previsibilidade, pode trazer ao país.

[1]Mordor Intelligence report apud. “What Are The Latest Trends In Telemedicine In 2018?” – Forbes Magazine – 31.07.2018: